“A parábola dos talentos“ = “O Senhor dos Jardins“
Era um trabalhão cuidar dos jardins. Mas valia a pena pela alegria. O verde das folhas, o colorido das flores, as variadas simetrias das plantas, os pássaros, as borboletas, os insetos, as fontes, as frutas, o perfume... Sozinho ele não daria conta. Por isso anunciou que precisava de jardineiros. Muitos se apresentaram e foram empregados. Aconteceu que ele precisou fazer uma longa viagem. Iria a uma terra longínqua comprar mais terras para plantar mais jardins. Assim, chamou três dos jardineiros que contratara, Paulo, Hermógenes e Boanerges e lhes disse: “Vou viajar. Ficarei muito tempo longe.
E quero que vocês cuidem de três dos meus jardins. Os outros, já providenciei quem cuide deles. A você, Paulo, eu entrego o cuidado do jardim japonês. Cuide bem das cerejeiras, veja que as carpas estejam sempre bem alimentadas... A você, Hermógenes, entrego o cuidado do jardim inglês, com toda a sua exuberância de flores pelas rochas... E a você, Boanerges, entrego o cuidado do jardim mineiro, com romãs, hortelãs e jasmins.“ Ditas essas palavras ele partiu. O Paulo ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim japonês. O Hermógenes ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim inglês.
Mas o Boanerges não era jardineiro. Mentira ao se oferecer para o emprego. Quando ele viu o jardim mineiro ele disse: “Cuidar de jardins não é comigo. É trabalho demais...“ Trancou então o jardim com um cadeado e o abandonou. Passados muitos dias voltou o Senhor dos Jardins, ansioso por ver os seus jardins. O Paulo, feliz, mostrou-lhe o jardim japonês, que estava muito mais bonito do que quando o recebera. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu. Veio o Hermógenes e lhe mostrou o jardim inglês, exuberante de flores e cores. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu.
Aí foi a vez do Boanerges. E não havia formas de enganar. “Ah! Senhor! Preciso confessar: não sou jardineiro. Os jardins me dão medo. Tenho medo das plantas, dos espinhos, das taturanas, das aranhas. Minhas mãos são delicadas. Não são próprias para mexer com a terra, essa coisa suja... Mas o que me assusta mesmo é o fato das plantas estarem sempre se transformando: crescem, florescem, perdem as folhas. Cuidar delas é uma trabalheira sem fim.
Se estivesse no meu poder, todas as plantas e flores seriam de plástico. E a terra seria coberta com cimento, pedras e cerâmica, para evitar a sujeira. As pedras me dão tranquilidade. Elas não se mexem. Ficam onde são colocadas. Como é fácil lavá-las com esguicho e vassoura! Assim, eu não cuidei do jardim. Mas o tranquei com um cadeado, para que os traficantes e os vagabundos não o invadissem.“ E com estas palavras entregou ao Senhor dos Jardins a chave do cadeado.
O Senhor dos Jardins ficou muito triste e disse: “Esse jardim está perdido. Deverá ser todo refeito. Paulo, Hermógenes: vocês vão ficar encarregados de cuidar desse jardim. Quem já tinha jardins ficará com mais jardins. E, quanto a você, Boanerges, respeito o seu desejo. Você não gosta de jardins. Vai ficar sem jardins. Você gosta de pedras. Pois, de hoje em diante, você irá quebrar pedras na minha pedreira...“
Fonte: http://www.rubemalves.com.br/duasparabolasrecontadas.htm
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