sexta-feira, 6 de abril de 2012

PERDOAR NÃO É FÁCIL..., MAS É POSSÍVEL.



Imagem Google

 Regina Maria Azevedo em seu livro Prazer em Conhecer-se (Treinamento em Inteligência Emocional), aborda a questão do perdão de uma forma que achei bastante pertinente. Por isso e por achar que poderá ajudar àqueles que buscam o autoconhecimento para a autotransformação, resolvi citar este trecho do livro, alusivo ao problema do perdão.


"A tradição judaico-cristã apresenta o perdão como o antídoto natural do pecado; se há pecado, há culpa e estes só podem ser resgatados através do sublime ato de perdoar. 


“Perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos os que nos tem ofendido...” Será que perdoamos mesmo?


Manda a boa educação que se perdoe tudo e todos, desculpar, relevar são verbos usados abundantemente

por “cidadãos civilizados”, sempre em voga no primeiro mundo. 

“Excuse me” é expressão comum entre os norte-americanos. Eles se desculpam por tudo: um pequeno esbarrão nas calçadas lotadas de Nova Iorque, por derrubarem um pacote num supermercado, por não entenderem o raciocínio do interlocutor. “Forgive me” é uma fala mais rara, a boca parece endurecer, a expressão fica compenetrada, introspectiva.


 Qual a diferença entre desculpar e perdoar? Como é que se perdoa de fato, com a cabeça ou com o coração?

Ao longo de meu trabalho com as técnicas da
visualização criativa, introduzi alguns exercícios de
relaxamento com a finalidade de facilitar o acesso
às porções do inconsciente aptas a serem trabalhadas
produtivamente nesse processo. 

Estabelecido um ritmo respiratório favorável, passamos ao relaxamento do corpo; em seguida, antecedendo a visualização propriamente dita, introduzimos uma prática denominada “exercício do perdão”. É incrível o efeito terapêutico e liberador dessa técnica; parece que cada pessoa se livra de um peso imenso, algumas apresentam até um certo ar de rejuvenescimento. Perdoar faz bem, embora requeira prática e certa habilidade.


A narrativa da terapeuta americana Robin

Casarjian em seu “O Livro do Perdão” começa com
um depoimento da autora acerca de como ela perdoou
seu algoz, tendo sido vítima de um estupro.
Por mais absurdo que pareça, ela foi capaz de perdoar
verdadeiramente um ato de natureza violenta,
covarde e vil como esse. Robin afirma: “pelo perdão
me livrei do fardo de permanecer uma vítima para sempre e me libertei para poder apreciar a minha vida”1. Talvez seja essa a parte mais proveitosa do perdão: através dele, experimentamos uma incrível e reconfortante sensação de liberdade.

O maior entrave ao perdão é, sem dúvida, o orgulho.

Esse sentimento quase sempre inútil e antipático às vezes provoca respostas endurecidas como “nunca”, “impossível”, “jamais, depois do que ele me fez!”, etc., ante a proposição de perdoar. Além disso nos reveste de uma falsa superioridade, até mesmo quando perdoamos. 

Como um juiz soberano, condenamos para depois, “piedosamente”, concedermos ao réu o beneplácito do perdão. Afinal, somos bonzinhos, cheios de nobres sentimentos, não é mesmo? “Os outros” são errados, insensíveis, grosseiros, estúpidos, uns babacas. 


Somos nós os perfeitos, os magnânimos, gente fina, etc., etc. Perdoar dessa maneira equivocada massageia nosso ego, enche nossa bola... de ar. E, de repente, vemos a sensação

se esvaziar dentro de nós e concluímos: perdoar não vale a pena...

Nunca perdoamos genuinamente se ignoramos,

negamos ou escamoteamos nossa raiva e ressentimento
originais que geram o objeto do perdão. Esses
sentimentos negativos são os motivadores fundamentais
para o exercício de perdoar legitimamente.

A mulher que “perdoa” a infidelidade do marido, na verdade está apenas mentindo para ela mesma que tudo está bem, embora sinta que não está. Esse fingimento gera frustração e, ao longo do tempo, pode culminar em doença, paranoia ou explodir de maneira incontrolável quando menos se espera. 


Perdão não tem nada a ver com aceitação, não significa que você aprova ou apóia aquele comportamento nem o impede de agir para mudar a situação ou de se proteger para não ser alvo dos sentimentos mesquinhos dos outros. 


Perdoar implica apenas olhar a situação sob o ponto de vista do outro e reconhecer, verdadeiramente, que ele está fazendo o seu melhor e que a atitude por você considerada correta ou ideal não é desenvolvida pelo outro por pura ignorância.


Um amigo me fala sobre a dificuldade de pedir perdão através da fórmula tão simples e mágica, composta

de duas palavrinhas e uma certa ternura na voz
(“Me perdoa?”). Diz que prefere mandar flores, convidar
pra um passeio, em suma, mudar de atitude.

 É uma boa estratégia, desde que a outra parte envolvida

entenda esse código não-verbal. Outro me deixa pasma com a sua atitude leonina. Tempos atrás ele brigou com uma amiga comum e agora está de viagem marcada para a Alemanha, onde vai morar por uns meses. Ela me pede para lhe dizer que ele tenha sorte em seus estudos, está torcendo por seu sucesso; e que a perdoe, lhe telefone.

 Transmito o recado com alegria, certa de que ele vai ligar enternecido, já que é uma pessoa bastante sensível. Para minha surpresa, sua reação é expressa através do riso irônico e um comentário do tipo “eu já a perdoei, mas é ela quem tem de ligar pra mim!”


Esse comportamento me causa estranheza, meu

lado racional certinho considera bem mais simples
que ele passe a mão num telefone e resolva tudo de
uma vez: “Oi, aqui sou eu, tô indo pra Alemanha e
gostei de saber que você tá torcendo por mim...”
Segundo Robin Casarjian, realmente não é preciso
dizer “eu te perdôo”; mudar de atitude é suficiente.

Tenho minhas dúvidas. Concordo quanto a dispensar

a solenidade dos termos; a experiência me mostra,
porém, que o outro nem sempre se sente perdoado,
principalmente quando pediu perdão formalmente.
A própria Robin afirma que, muitas vezes, a forma verbal é parte importante do processo. 

No caso específico desse amigo, nem minha amiga nem eu

detectamos qualquer mudança de atitude, o que significa que o código não-verbal não funcionou... 

Não basta perdoar, é preciso comunicar o perdão de forma

inteligível à outra parte. Mas perdoar nem sempre implica mudança do seu comportamento, principalmente frente às situações adversas. 

Por exemplo, você pode perdoar um amigo que se tornou inconveniente ao beber demais, o que não significa que deva sempre aturar seus pileques; você pode perdoar a imprudência da sua esposa ao gastar demais com futilidades, comprometendo o orçamento da casa, mas não é obrigado a lhe dar dinheiro sempre que ela pedir; pode perdoar os comentários maldosos de sua sogra acerca da educação dos seus filhos, mas não precisa visitá-la todo

final de semana nem seguir seus conselhos pautados
na moral de quarenta nos atrás; pode perdoar a displicência da sua empregada no trato com as roupas, mas pode contratar uma outra se isso o incomoda tanto.

 Perdoar, muitas vezes, é consentir com o coração e dizer não com a razão.


Um amigo me ensinou uma importante lição

acerca das pessoas, que se enquadra bem no processo
do perdão: todo mundo tem um lado bom, iluminado;
e à medida que buscamos luz nas pessoas, é
essa faceta positiva que elas nos mostram. Nas relações
profissionais, é comum ouvirmos expressões
conformistas como “engolir sapos”, “descascar abacaxis”,
“segurar pepinos”.

 Quando não ocupamos um cargo de chefia que nos permita escolher o profissional que integrará a equipe, somos forçados a conviver com gente de todo tipo, principalmente do tipo “diferente”. Para essas situações, o perdão é um

santo remédio.

Uma grande amiga trabalha num hospital da rede

pública e vivia se queixando da chefe. Incompetente,
mal-humorada e oportunista é do tipo de pessoa que
sempre diz “nós acertamos” (assumindo a parceria
pelo sucesso das colegas) e “você errou” (quando
alguma coisa não funciona bem na equipe). Neste
caso, o mal-estar parecia perpétuo, além de inevitável.

Concursada, sem vislumbre de promoção, o que lhe restava seria sair da instituição (considerada a melhor do país) e tentar vaga num hospital menor; ou abrir um consultório próprio, o que iria requerer uma infra-estrutura para a qual ela não estava preparada.


Minha amiga tentou de várias formas: “bateu de frente”, apontando as falhas da superiora, que sempre escorregava através de desculpas intermináveis; acumulou responsabilidades, “tapando os buracos” causados pela incompetência e insegurança da outra; fez “corpo mole”, tentando ver o que resultava da política do “quanto pior melhor”.


 Mas só encontrou o caminho para ficar em paz consigo mesma sem ter de abrir mão do cargo que conquistara e que muito prezava, quando conseguiu ver a mulher frágil e carente que havia por trás da megera.


Essa nova visão acarretou o processo de perdão;

sua atitude em relação à superiora mudou: através do diálogo sem afetações, a mulher tornou-se mais criativa e receptiva.

 Por não se sentir ameaçada nem cobrada, seu lado melhor aflorou e o relacionamento entre ambas tornou-se mais agradável.


Perdoar é uma atitude pessoal e intransferível.

Para nos decidirmos por ela, é útil que vejamos as
“vantagens” que o perdão nos traz. Além de nos livrar
de mágoas e ressentimentos acumulados — que segundo a visão psicossomática das doenças resultam em males físicos reais para o nosso corpo e não apenas “traumas” psicológicos —, amplia nosso modelo de mundo, reduzindo nossa ignorância, nosso apego e nossa ira, os três grandes males apontados pelo budismo tibetano como causadores do sofrimento.

De quebra, abre espaço para a bondade, o amor e a compaixão, sendo um treinamento básico para se chegar a experimentar esses sentimentos que apontam o caminho da felicidade.


 É importante ter consciência de que perdoar é uma escolha inteligente e eficaz.


O ato de perdoar implica responsabilidade; novamente

nos deparamos com a sabedoria do “ser 100% responsável por si mesmo”; requer dedicação, esforço e prática, como qualquer atividade que queiramos dominar.

 Para exercitá-la é preciso checar constantemente suas opções e ter sempre em mente que elas são “uma escolha e não um fato objetivo”, conforme afirma Robin. As coisas não são, apenas estão (princípio da impermanência). E podem estar da maneira que consigamos vê-las, ou seja, de acordo com nossa capacidade de enxergá-las, totalmente

vinculadas às dimensões do nosso modelo de mundo. 

Exercite-se!


“Perdoar é um modo de vida que gradualmente nos transforma de vítimas indefesas das (nossas) circunstâncias em poderosos e amorosos co-criadores da nossa realidade”2 postula a terapeuta americana (parênteses nossos).


 O perdão requer não apenas generosidade, mas ousadia, pois temos de enfrentar nossos próprios medos, julgamentos, limitações para nos lançar à tarefa de enfrentar o novo. 


Através dessa prática, adquirimos o mágico poder de nos transformar e transformar tudo e todos ao nosso redor.


Você está preparado?


O perdão está tão intimamente relacionado à culpa, que invariavelmente, quando proponho o exercício do perdão a um grupo, alguém me pergunta:


“Mas eu só perdôo? Não devo pedir perdão também?”

De acordo com a estrutura simbólica através da qual concebi o exercício, o processo se inicia com a pessoa “vestindo-se de branco” (ou pintando mentalmente sua roupa de branco).

 Esse ato reflete exteriormente  sua pureza interior; você está livre de “pecados”, é digno de fazer uso do perdão. Para os mais racionais, é útil repetir-se várias vezes “eu me perdoo por ...” quando se sentir culpado por algo. Isso afasta o arrependimento inútil e o libera para encontrar situações mais criativas numa próxima vez.


Errar é humano, perdoar também. “Amar é nunca

ter de pedir perdão”, frase célebre do filme Love
Story, pode soar bem romântica, mas é um referencial
bastante tolo.

“Perdão foi feito pra gente pedir”, refrão do cancioneiro popular, nos parece muito mais razoável... Mas, conforme dissemos, perdoar é, antes de tudo uma escolha e um treino para a vida prática.


E você bem pode começar me perdoando se eu

não fui capaz de estimulá-lo a usar, com habilidade
e sabedoria, essa hábil ferramenta chamada perdão..."


Referência : Prazer em Cohecer-se - Treinamento em Inteligência Emocional. Regina Maria Azevedo. p.24-31. Editora Outras Palavras Produções Editoriais e Comércio Ltda. 5a. ed.


****************************************************

Nenhum comentário:

Postar um comentário

seus comentários são sempre bem vindos. Agradeço sua participação.