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Em abril de 2012 fiz uma postagem denominada "A filosofia de UG KHRISNAMURTI. Foi nesta ocasião que tomei conhecimento de sua existência e seu pensamento muito me impressionou mas não ao ponto de fazer uma revolução na minha maneira de ver a mim mesma e ao mundo. Hoje, voltei a me lembrar dele, estava relendo um livro de J. Krishnamurti.
J. Krishnamurti foi para UG o que Freud foi para Jung. No início o mestre deslumbra o discípulo, depois o discípulo procura seu próprio caminho e como é esperado, cada um segue para um lado. Mas como eu ia dizendo, quis buscar novamente o pensamento de UG e encontrei este post que transcrevo para vocês. Talvez vocês fiquem tão perturbados quanto eu, talvez não, só a leitura do mesmo poderá responder a esta questão.
Quem tem medo de
U.G.?
Falar sobre U.G.
Krishnamurti (Upaluri Gopari Krishnamurti ) não é fácil. Trata-se de um
filósofo radical e polêmico, que suscita reações extremadas com relação a seu
ensino. Veja aqui uma pequena amostra de suas mensagens, verdadeiros
artefatos explosivos a detonar conceitos estabelecidos:
"Fazer amor é
guerra; causa-efeito é o lema de mentes confusas; yoga e dietas saudáveis
destroem o corpo; o corpo é imortal, e não o espírito; não há nada dentro de
você exceto medo; comunicação é impossível entre seres humanos; Buda
foi um excêntrico..."
Que significa tudo
isso? a meu ver, é iconoclastia pura. Ele destrói todos os ícones, e derruba
todos os conceitos afirmando as antíteses dos mesmos, chocando aos leitores.
Muitos sairão
correndo perante o louco, o anticristo, o nihilista. Tais declarações, porém,
têm o poder de nos revelar a nós mesmos, o quanto somos apegados ao nosso
mundo interior, edificado sobre o medo e a esperança, e formado por palavras,
imagens, conceitos, crenças e descrições que fazem sentido para nós e de
algum modo nos dão segurança e conforto psicológico.
Os que desejam a
religião como uma estrada pavimentada até o Divino recusarão mesmo o simples
tomar conhecimento de suas mensagens, e, com isso, certamente estarão
afirmando e defendendo a si próprios, ou, seja, aquelas opiniões, crenças e
ideologias com que se identificam.
Vejamos mais um
trecho das declarações de U.G.:
"Todas as
palavras que usamos são "sobre", "a respeito de",
"acerca de"... elas não têm realidade. São abstrações mentais, agem
no plano virtual."
De fato, tudo o que
sabemos, conhecemos, vem de fora de nós. Quando nascemos, somos como tábula
rasa em matéria de conhecimentos, crenças, etc (mas não em matéria de
tendências ou propensões, que são inatas).
O que acontece
então? Em primeiro lugar nossos pais vão nos ensinando os nomes e descrições
das coisas. Depois as escolas, universidades, igrejas, a cultura vigente,
etc., vão formando nosso ego mental, nossa personalidade (que, como se sabe,
vem do grego: PERSONA, quer dizer Máscara).
Note-se que a
sociedade, seus valores e suas leis, sistemas políticos e religiosos, produz
um grande conjunto de informações e valores que, paulatinamente, vai sendo
incorporado às crianças, recriando em suas mentes uma cópia do mundo que os
envolve.
Em toda essa massa
de informações estão incluídos inúmeros conteúdos psicológicos, de natureza
tribal, política, moral ou religiosa, que definem, condicionam e limitam a
consciência humana. E nesses limites, estreitos ou amplos, surge e se
desenvolve a noção de sermos, cada um de nós, um sujeito pessoal, permanente,
único e separado (que chamamos de ego), o qual tende a se apegar a esses
valores e defende-los tenazmente, recusando qualquer visão de mundo que possa
ameaçar seus conteúdos fundamentais.
Veja o leitor por si
mesmo, ao ler algumas impiedosas declarações de U.G., caso sinta alguma
opinião ou valor sendo confrontado, se instintivamente não se
"fecha" em si mesmo, recusando tais mensagens:
"serviço
humanitário é um total cultivo do ego; ir à igreja ou ir ao bar para um drink
são idênticos; Deus, Amor, Felicidade, o inconsciente, morte, reencarnação e
alma são invenções de nossa rica imaginação; Freud é a fraude do século 20,
enquanto J. Krishnamurti é sua maior impostura..."
Note que U.G.
derruba todas as imagens e conceitos, não poupando nada nem ninguém, chegando
a atacar imagens consideradas intocáveis ou sagradas como Buda, Jesus, Freud
e mesmo Jiddu Krishnamurti, o famoso sábio indiano do século XX, com o qual
ele, U.G., tem bem mais que o nome em comum (nos nomes próprios indianos, o
sobrenome vem primeiro, e o nome vem por último).
Ressalte-se que U.G.
teve uma relação forte com J. Krishnamurti, que também o respeitava; na
verdade, U.G. bebeu nas águas límpidas desse sábio maravilhoso, antes de
perder tudo na vida, a partir dos 49 anos de idade, quando teve início um
processo que ele chamou de "calamidade", levando-o a
separar-se de sua família, perder suas posses, seu prestígio (era um orador
muito conceituado), e também a viver um bom tempo como mendigo na Inglaterra,
indo depois à Suiça e ao Consulado da índia a fim de pedir repatriamento para
a sua terra natal, pensando consigo mesmo:
"Lá (na índia )
ao menos eles não poderão me expulsar, afinal eu nasci naquele país. Quem
sabe eu possa sentar-me sob uma árvore banyan e mendigar meu sustento para as
pessoas que passam".
Quem recusar
sumariamente sua mensagem e passar adiante, conservando intacto seu edifício
mental, perderá a grande oportunidade de ver transformar-se em cinzas suas
convicções, que não são suas, posto que não as descobriu nem criou, apenas
aceitou por medo ou conveniência.
Desabando esse
edifício, o Ser, até então limitado ao pequeno ego mental, terá oportunidade
de se liberar de toda sorte de entulho e poderá então, por assim dizer, se
reconciliar com o Mistério de onde veio. Normalmente, porém, nós não apenas
consideramos que essas convições não são obstáculo ao famoso
"religare" com o princípio Divino, mas, muito ao contrário, consideramos
que as mesmas são exatamente o caminho para esse objetivo...
Isso mostra o quanto
somos escravos de nossos conteúdos mentais; isso é inegável, embora raramente
o percebamos. O pensamento e a palavra são a base de toda crença; mas a
palavra, seja ela qual for, é sempre SOBRE, acerca de, a respeito de alguma
coisa.
Tudo o que temos são
idéias, pensamentos, palavras que representam alguma coisa, e tudo vai aos
poucos formando a nossa interpretação sobre uma certa Realidade que permanece
intocada. Nossa visão sobre o mundo espiritual fica limitada pelas crenças
que temos, e, como disse U.G., a palavra torna-se a máscara da
Realidade subjacente a todos nós.
Nossa existência é
complexa, e o ser humano, ignorante acerca dessa Realidade além do mental,
além das projeções humanas, e sem perceber absolutamente que ele "não
sabe e não sabe que não sabe", e que, além disso, não se pode traduzir
essa Realidade em crenças, palavras e conceitos, se entope de lendas,
mitos, ilusões e fantasias para ajudá-lo na incerteza e na falta de sentido
de seus caminhos.
Dessa ignorância
decorre que somos apenas as idéias e sentimentos que temos, idéias essas que
nos são passadas pelo convívio social e pela experiência. Nossa mente é
formada por seus conteúdos, os quais estão continuamente se manifestando e
chocando-se uns com os outros, em conflito, alternando-se no "poder",
etc.
É bem conhecida a
metáfora budista que compara a mente a uma casa sem amo: cada vez que um dado
conteúdo, na forma de pensamento, torna-se preponderante, faz o papel de amo
da casa toda, e determina o rumo de nossa ação, o que causa inúmeras
consequências, podendo ser inclusive motivo de dores e arrependimentos mais
tarde. Pode-se dizer então que, como entidade independente, "a mente é
um mito", como diz U.G.: há apenas conteúdos repletos de energia
emocional que querem se repetir, propagar, se manifestar indefinidamente.
Ao perceber o
constante ruído de emoções e pensamentos autônomos, compulsivos e
conflitantes, surge naturalmente no ego o desejo de ficar livre de tudo isso,
visando o sossego mental, a paz, a felicidade. Surgem então variadas técnicas
de concentração, meditação, contemplação, rezas, terços, repetições de
mantras, etc., as quais se transformam em práticas visando a um objetivo: o
silêncio da mente, mediante o qual se pretende fazer a limpeza do elo de
conexão com o Universo, a Verdade, o Divino
.
Não percebemos,
porém, que qualquer atividade onde há um "sujeito" (o ego)
visando a um objetivo distante (o Divino, a Paz, a Felicidade, etc), exigirá
o dispêndio de esforço ao longo do tempo, para obter méritos e
aperfeiçoamento - e isso reforça o próprio ego que se deseja silenciar ou
transcender. Ou seja, enquanto
houver "alguém" que quer atingir "algo", será recriada a
relação dual que está na raiz da separação entre o homem e Deus.
Que fazer? ficamos
então numa situação delicada: de um lado, a mente (muitas vezes comparada a
um macaquinho pulando de galho em galho) nos leva a preocupações, ansiedade e
todo tipo de tormentos; de outro, vemos que esse mesmo macaquinho quer
encontrar uma solução para o barulho e a tagarelice, forçando-se ao silêncio,
o que gera esforço mental inútil e até perigoso (aqui é bom que se saiba que
o desgaste energético que o ego faz para se manter quieto, meditativo,
contemplativo, etc., pode provocar danos neurológicos).
Acontece que o
silêncio da mente não pode advir de uma ação intencional do ego, que é a raiz
da tagarelice; ao tentar se anular, ele estará apenas se perpetuando. Mas
pode advir da compreensão de que a idéia de ego também é uma construção
mental, desprovida de realidade. Nesse caso, todo esforço torna-se
inteiramente desnecessário; não se trata de religar o ego a Deus, mas
simplesmente de perceber que não há nada separado da Totalidade, a não ser a
idéia da separação - e, portanto, o movimento de busca de uma Realidade
transcendente acaba sendo a perpetuação do buscador.
Por isso U.G., como
um mestre radical que é, acentua que a busca é o último obstáculo do
buscador, e deve cessar. Ele se refere ao "estado natural",
como um lago tranquilo sem ondulações, que é a própria Felicidade - porém
qualquer movimento, mesmo no sentido de encontrar essa bem aventurança, já
insere a dualidade, a perturbação e a ansiedade.
O "estado
natural" de que ele fala é sem dúvida um estado de silêncio, de vazio
interior, sendo impossível de se conseguir intencionalmente pela prática de
técnicas meditativas, terapias, rituais, contemplação, etc, visto que esses
processos estão sempre recriando a relação sujeito-objeto, a qual supõe
sempre o tempo, o esforço e o vir a ser.
Por isso U.G. diz
que "o estado natural é acausal - está além do fazer, da causa e
efeito".
Assim, se o ego,
reconhecendo seu estado de tormento interior, percebe de maneira profunda,
completa e total que nada pode fazer para atingir a união tão almejada com o
Divino, então ele pode cessar todo o esforço e repousar exatamente nessa
bem-aventurança.
Porém, a maior parte
da humanidade prefere ter o conforto de uma crença "oficial", de
uma religião organizada em cima do ensino dos grandes Mestres da humanidade.
é verdade que, geralmente, não se trata de experiência própria;
achamos que sabemos algo porque "acreditamos" em conteúdos, crenças
e lições que ouvimos de terceiros, sendo essas crenças e práticas o suposto
caminho para se livrar de nossas dores, temores e mazelas.
Pessoas assim,
necessariamente, recuarão imediatamente ao tomar algum contato com U.G.,
tachando-o de hermético, radical, seco, autoritário, etc, o que é sem dúvida
uma interpretação compatível com seus valores e crenças, porém inteiramente
desprovida de liberdade: concordamos com quem concorda conosco, e discordamos
de quem de nós discorda; porém, jamais vamos a um estado de consciência
além do concordar e discordar.
Aqueles que,
porventura, estiverem num processo que se pode chamar de "o despertar da
compreensão", terão uma visão muito diferente. Não tendo conteúdos ou
pontos de vista radicais a defender, poderão descobrir em U.G. uma
extrema beleza e compaixão, que inclusive se recusa a se declarar como tal,
preferindo que essa percepção surja naturalmente, espontaneamente.
Não será esse o
extremo do amor, que, como o perfume de uma flor, não pede para ser
apreciado, mas está disponível para todos?
Para terminar, mais
um pensamento de U.G. Krishnamurti, que, de certa forma, resume todo o seu
ensino:
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"A assim
chamada realização de si mesmo é a descoberta, para si mesmo e por você
mesmo, de que não existe você mesmo para ser descoberto".
Autores: E.F.L. Costa (Dhyan 1) e JC Cavalcanti FONTE |
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