quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

LEITURAS QUE MARCAM

File:Hermann Hesse Ninon Grave 1 Photo Michael Ney.jpg
Photographer: Michael Ney
Durante minha juventude fiz várias leituras que contribuíram na formação de minha visão de mundo, uma delas foi a leitura do livro Demian de Hermann Hess. Gosto de reler livros que foram importantes para mim depois de alguns anos para perceber nas entrelinhas coisas que me escaparam na leitura anterior. Fazendo esta releitura de Demian, achei o capítulo "INTRODUÇÃO", relevante para uma postagem neste blog. Assim sendo, quem não leu ainda o livro terá uma ideia sobre seu conteúdo e poderá resolver por sua leitura na íntegra, aquele que já o leu terá a oportunidade de fazer uma nova avaliação do seu conteúdo.


Introdução 


Para relatar a história de minha vida, devo recuar alguns anos.

Se me fosse possível, deveria retroceder ainda mais, à primeira
infância, ou mais ainda, aos primórdios de minha ascendência.

Os poetas, quando escrevem novelas, costumam proceder como se

fossem Deus e pudessem abranger com o olhar toda a história de uma vida humana, compreendendo-a e expondo-a como se o próprio Deus a relatasse, sem nenhum véu, revelando a cada instante sua essência mais íntima.

Não posso agir assim, e os próprios poetas não o

conseguem. Minha história é, no entanto, para mim, mais importante do que a de qualquer outro autor, pois é a minha própria história, e a história de um homem — não  a de um personagem inventado, possível ou inexistente em qualquer outra forma, mas a de um homem real, único e vivo.

Hoje sabe-se cada vez menos o que isso significa, o

que seja um homem realmente vivo, e se entregam à morte sob o fogo da metralha a milhares de homens, cada um dos quais constitui um ensaio único e precioso da Natureza. Se não passássemos de indivíduos isolados, se cada um de nós pudesse realmente ser varrido por uma bala de fuzil, não haveria sentido algum em relatar histórias.

Mas cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo, sempre importante  e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela forma uma só vez e nunca mais.


Assim, a história de cada homem é essencial, eterna e divina, e cada homem, ao viver em alguma parte e cumprir os ditames da Natureza, é algo maravilhoso e digno de toda a atenção. Em cada um dos seres humanos o espírito adquiriu forma, em cada um deles a criatura padece, em cada qual é crucificado um Redentor.


Poucos são hoje os que sabem o que seja um homem. Muitos o
sentem e, por senti-lo, morrem mais aliviados, como eu próprio, se
conseguir terminar este relato.

Não creio ser um homem que saiba. Tenho sido sempre um

homem que busca, mas já agora não busco mais nas estrelas e nos
livros: começo a ouvir os ensinamentos que meu sangue murmura em mim.

Não é agradável a minha história, não é suave e harmoniosa como as histórias inventadas; sabe a insensatez e a confusão, a loucura

e o sonho, como a vida de todos os homens que já não querem mais
mentir a si mesmos.

A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo,

a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem
algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode.

Todos levam consigo, até o fim, viscosidades e cascas de ovo de

um mundo primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens, e
continuam sendo rãs, esquilos ou formigas. Outros que são homens da cintura para cima e peixes da cintura para baixo.


Mas, cada um deles é um impulso em direção ao ser.

Todos temos origens comuns: as mães; todos proviemos do mesmo abismo, mas cada um — resultado de uma tentativa ou de um impulso inicial — tende a seu próprio fim. Assim é que podemos entender-nos uns aos outros, mas somente a si mesmo
pode cada um interpretar-se.

Fonte: DEMIAN

Tradução de IVO BARROSO
22ª EDIÇÃO
Título original alemão DEMIAN
Copyright © 1925 by Hermann Hesse

Nenhum comentário:

Postar um comentário

seus comentários são sempre bem vindos. Agradeço sua participação.