domingo, 22 de junho de 2014

“SUTRA DOS CINCO MODOS DE PÔR FIM À RAIVA”


“SUTRA DOS CINCO MODOS DE PÔR FIM À RAIVA”
(ANGUTTARA NIKAYA III.186)
Versão traduzida para o português por Monge Komyo, a partir do inglês versado pela Plum Village, comunidade Zen dirigida pelo monge Thich Nhat Hanh. “Para livre distribuição, como exercício de Dana” (generosidade).
————-
Assim eu ouvi certa vez quando o Buddha residia no Monastério de Anathapindika no Bosque Jeta, perto da cidade de Sravasti.
Um dia o Venerável Shariputra disse aos monges:
“Amigos na prática, hoje eu quero compartilhar convosco cinco modos de pôr um fim à raiva. Por favor escutai cuidadosamente e ponde em prática o que vos ensino.”
Os Bhikshus (monges) concordaram, escutando cuidadosamente. O Venerável Sariputra disse:
“Quais são os cinco modos de pôr um fim à raiva?”
“Eis o primeiro modo, meus amigos: Se há alguém cujas ações não são virtuosas mas as palavras são virtuosas, e se devido a isso vós sentirdes raiva de tal pessoa, sendo sábios deveríeis saber como meditar para pôr um fim a esta raiva.”
“Meus amigos, digamos que haja um bhikshu praticando o ascetismo, e que ele veste um manto (Kasaya) de retalhos. Um dia ele passa por um monte de lixo imundo de excremento, urina, mucos e todos os outros tipos de sujeira, e vê no montão de lixo um pedaço de pano que ainda está intacto. Ele usa sua mão esquerda e pega o pedaço de pano, e com sua mão direita pega o outro extremo e o estica. 
Ele vê que o pedaço de pano não está rasgado e que também não foi sujado por excremento, urina, cuspe e outros tipos de sujeira. Imediatamente ele o dobra e o guarda para trazer à casa, para lavá-lo bem e cosê-lo junto com outras peças de tecido em seu manto de retalhos. 
Assim é o mesmo, meus amigos, quando alguém cujas ações não são virtuosas mas as palavras sim. Nós não deveríamos prestar atenção para a ação demeritória desta pessoa. Nós deveríamos estar só atentos às suas palavras virtuosas de forma a poder pôr um fim à nossa raiva. Alguém que é sábio deve praticar deste modo.”
“Meus amigos, eis o segundo método: Se há alguém cujas palavras não são virtuosas mas as ações são virtuosas, e se devido a isso vós sentirdes raiva de tal pessoa, sendo sábios deveríeis saber como meditar para pôr um fim a esta raiva.”
“Meus amigos, digamos que não longe da aldeia haja um profundo lago de água, mas cuja superfície da água seja coberta com algas e grama. Agora, alguém se acerca do lago, e tal pessoa está muito sedenta e sofrendo grandemente com o calor. 
Ele retira suas roupas e as deixa na margem do lago, pula na água e usa suas mãos para tirar as algas e a grama, e em conforto e com prazer toma seu banho e bebe a água fresca. Assim é o mesmo, meus amigos com alguém cujas palavras não são virtuosas, mas cujas ações são virtuosas. 
Vós não deveríeis prestar atenção às palavras daquela pessoa, deveríeis estar atentos para as ações daquela pessoa para assim poder pôr um fim à sua raiva. Alguém que é sábio deve praticar deste modo.”
“Eis o terceiro método meus amigos: Se há alguém cujas ações não são virtuosas, as palavras não são virtuosas, mas que em seu coração haja virtude ainda que pouca, e se devido a isso vós sentirdes raiva de tal pessoa, sendo sábios deveríeis saber como meditar para pôr um fim a esta raiva.”
“Meus amigos, digamos que alguém esteja indo para uma encruzilhada. Ele está muito fraco, muito sedento, muito miserável, muito acalorado, despojado e cheio de tristeza. Quando ele chega à encruzilhada vê uma pegada de búfalo, e naquela pegada há água de chuva um pouco estagnada. 
Ele pensa consigo mesmo: ‘Com tão pouca água nesta pegada de búfalo na encruzilhada, se eu fosse usar minha mão ou uma folha para tomar a água, eu a perturbaria e ela se tornaria lamacenta e impotável. Então eu não poderia extinguir minha sede e terminar minha privação, o calor que estou sentindo e todo meu sofrimento. 
Neste caso tenho que me ajoelhar, colocar meus braços e meus joelhos na terra, e usar minha boca para beber a água diretamente do buraco.’ Imediatamente ele se ajoelha na terra, coloca seus lábios na água da pegada de búfalo e a bebe.”

“Da mesma forma, meus amigos, quando vírdes alguém cujas ações não são virtuosas, cujas palavras não são amáveis mas que no coração possua ainda um pouco de virtude, vós não deveríeis prestar atenção às ações daquela pessoa e às palavras que não são amáveis, mas sim deveis permanecer atentos à virtude que, mesmo pouca, está em seu coração para assim poder pôr um fim à sua raiva. Alguém que é sábio deve praticar deste modo.”
“Eis o quarto método meus amigos. Se há alguém cujas ações não são virtuosas, as palavras não são virtuosas, e que em seu coração não haja nada que poderia ser chamado de virtude – ainda que pouca, então se vós vos enraivecerdes com tal pessoa, sendo sábios deveríeis saber como meditar para pôr um fim a esta raiva.”
“Meus amigos, digamos que alguém esteja fazendo uma longa jornada e, quando já percorreu parte da jornada, cai doente. Fica em um estado muito ruim, completamente exausto, só, sem qualquer companheiro de viagem, a aldeia de onde partiu já se encontra muito distante e a aldeia para onde vai também está muito distante. 
O homem entra em desespero e sabe que morrerá antes de terminar a jornada. Se neste momento outra pessoa surge e vê a situação deste homem, ela vai imediatamente à sua ajuda. Ela o conduz pela mão para a próxima aldeia, cuida dele, trata-o da enfermidade e se certifica de que ele tenha tudo necessário no tocante a roupas, medicamentos e comida. Graças a esta ajuda a vida daquela pessoa é salva. A razão de sua vida ser salva está na compaixão e no amor pleno da pessoa que a ajudou.”
“Da mesma forma, meus amigos, quando virdes alguém cujas ações não são virtuosas, as palavras não são virtuosas, e que em seu coração não haja nada que poderia ser chamado de virtude, ainda que pouca, vós deveríeis dar vazão a este pensamento: ‘Alguém cujas ações não são virtuosas, as palavras não são virtuosas, e que em seu coração não haja nada que poderia ser chamado de virtude, ainda que pouca, é alguém que está sofrendo. 
Sem dúvida ele está a caminho de uma vida de extremo e grande sofrimento. Se ele não encontrar um bom amigo espiritual, não haverá nenhuma chance para que possa mudar e seguir para uma vida de felicidade. ’ Pensando desta forma vós sereis capazes de abrir seu coração àquela pessoa com carinho e compaixão. Vós podereis pôr um fim à sua raiva e ireis ajudar aquela pessoa. Alguém que é sábio deve praticar deste modo.”
“Meus amigos, eis o quinto método: Se há alguém cujas ações são virtuosas, as palavras são virtuosas e cuja mente também é virtuosa, e se por acaso vós sentirdes raiva de tal pessoa, sendo sábios deveríeis saber como meditar para pôr um fim a esta raiva.”
“Meus amigos, suponhais que longe da aldeia haja um lago muito bonito. A água do lago é clara e doce, o leito do lago é plano, as margens do lago estão cheias de belas árvores, grama verde cresce ao redor dele, e em todos os lugares as verdes árvores dão fresca sombra. 
Alguém chega ao lago e está sedento, está sofrendo de calor e o corpo está coberto de suor. Ele retira suas roupas e as deixa na beira do lago, mergulha na água e experimenta grande conforto e prazer tomando banho e bebendo desta água. Todo seu calor, sede e sofrimento desaparecem no mesmo instante.”
“Da mesma maneira meus amigos, quando víreis alguém cujas ações são virtuosas, as palavras são virtuosas e de cuja mente também é virtuosa, vós deveríeis prestar atenção a toda virtude daquela pessoa em relação ao corpo, fala e mente e não deveríeis permitir que a raiva vos domine. Se não sabeis viver felizes junto a alguém tão verdadeiro quanto este, vós não podereis ser chamados homens de sabedoria.”
“Meus queridos amigos, eu compartilhei convosco os cinco modos de pôr um fim à raiva.”
Quando os bhikshus ouviram as palavras do Venerável Shariputra eles regozijaram-se em recebê-las e pô-las em prática.
Majjhima Agama 25 (corresponde ao Anguttara Nikaya III.186)

O EQUILÍBRIO ENTRE O TER E O SER

 

Vivemos em um mundo que valoriza extremamente os bens materiais. Em sua maioria, as pessoas valorizam ou não o próximo, a partir do que o outro possui e aparenta, e não pela essência de seu ser.

Em um mundo dominado por nações materialistas e ainda sem ter alcançado suficiente desenvolvimento espiritual, grande parte das pessoas dedica sua vida a acumular dinheiro e bens materiais.

Desde cedo as crianças se acostumam a ter o que querem. E passam a valorizar seus amigos por suas aparências.

O que ocorre é que, sem reservas morais suficientes, muitos se tornam verdadeiros escravos da posse material e, muitas vezes, escravizam outros para atingir seus objetivos.

Sem dúvida que as posses materiais são uma conquista sócioeconômica do ser humano, ao longo de suas inúmeras jornadas na Terra.

O desenvolvimento material das sociedades é importante, pois gera melhorias na qualidade de vida, incentiva o desenvolvimento da indústria, do comércio, das ciências, das artes.

Todas essas conquistas permitem à Humanidade superar obstáculos de sobrevivência básica e, com isso, a possibilidade de desenvolver seu lado espiritual e moral.

A conquista do ter é dever de todos. A família depende dos recursos materiais para seu desenvolvimento, bem como a sociedade.

A conquista do ter, contudo, jamais deve ser mais importante que a do ser, que é a conquista dos valores morais e leva o indivíduo a elevar-se como Espírito.

O risco da posse ou da aquisição da propriedade não está no fato em si, mas da maneira como isto se dá e no que representa emocionalmente.

A aquisição de bens materiais não deve ter como base a avareza, e como objetivo a conquista de posição social passível de inveja ou de submissão de outrem.

A conquista material deve ser resultado do trabalho digno e constante, frequentemente oriundo de uma profissão baseada em estudo e preparo.

A conquista material deve prover conforto e equilíbrio àqueles que a possuem, mas jamais levar ao desequilíbrio das posses supérfluas e do modo de vida de ostentação e prazeres intermináveis.

Quem acumula bens materiais em quantidade superior àquela necessária à sua dignidade bem como de sua família, tem uma obrigação moral: dividir seus bens de uma maneira inteligente e sensata.

Obviamente que a doação àqueles que necessitam é necessária e nobre, mas a verdadeira divisão é baseada na geração de empregos e desenvolvimento.

Para ter tal lucidez é preciso que o indivíduo já tenha maior evolução espiritual a fim de que possa perceber que de nada serve uma fortuna acumulada em instituições financeiras e transformada apenas em bens de uso próprio.

É preciso ter equilíbrio, é preciso pensar no próximo, é preciso ser mais do que ter.

A felicidade, na Terra, independe do que se tem, mas se constitui naquilo que o ser cultiva interiormente em termos de amor sincero, ilimitado e em simplicidade.

TEXTO:
Redação do Momento Espírita com base no cap. 
Propriedade, do livro Jesus e o Evangelho à luz da 
psicologia profunda, pelo Espírito Joanna de Ângelis,
psicografia de Divaldo Pereira Franco,ed. Leal.
Em 01.04.2010