sábado, 14 de janeiro de 2012

O que nos impede de saber quem somos?

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Em  várias leituras anteriores, pesquisei sobre o problema do ego, como ele pode nos envolver procurando nos fazer pensar  que nós somos o ego,etc. A conclusão a que chegamos é que precisamos nos livrar do ego   o mais rápido possível para deixar a nossa essência espiritual aparecer e nos conduzir.

Entretanto, lendo Allan Watts, notei que ele afirma:
"quanto mais lutamos por alguma espécie de perfeicão  ou de domínio - em moral, em arte ou em espiritualidade - mais vemos que estamos jogando uma forma rarefeita e sublime do velho jogo do ego e que quaisquer alturas que alcançarmos só serão evidentes para nós e para os outros em contraste com o fracasso de outrem.

Esta compreensão  é, de início, totalmente paralisante. Estamos numa armadilha no pior dos "duplos vínculos" - vendo que cada direcão que podemos tomar implicará e, portanto, evocará  também  seu oposto.  Decidimos ser um Cristo e haverá um Judas para nos trair e uma multidão para nos crucificar. Decidimos ser um diabo e todos os homens se unirão contra nós no mais íntimo amor fraterno.

Nossa primeira reacão será: para o inferno com tudo! O único caminho poderá parecer esquecer todo o esforco e ficarmos absortos em banalidades ou, então, sairmos do jogo pelo suicídio ou a psicose, passando o resto dos dias delirando num hospício.
 
Mas há outra possibilidade. Em vez de saimos do jogo, perguntemos o que a armadilha significa.

[...]O sentido de paralisia, é por conseguinte a compreensão nascente de que isto é um absurdo e de que nosso ego independente é uma ficcão. Na realidade ele não existe.

[...]O sentido de "eu" que deveria ter sido identificado como a totalidade da experiência de nosso Universo, foi, em vez disso, cortado e isolado como um observador desligado deste Universo.

[...]Quando sabemos com toda a certeza que o nosso ego separado é uma ficcão, senti-mos, realmente, como todo o processo e padrão da vida. A experiência e o experimentador tornam-se uma experimentacão. O conhecido e o conhecedor tornam-se um conhecimento.

Cada organismo  experimenta isto  de um ponto de vista diferente e de um modo diferente, pois cada organismo é o Universo experimentando-se numa variedade interminável. Não precisamos portanto cair na armadilha que esta experiëncia prepara para os crentes num Deus externo, todo poderoso - a tentacão de sentir "Eu sou Deus" e esperar ser adorado e obedecido por todos os outros organismos.

[...]Ninguém deve tentar libertar-se da sensacão do ego. É preciso carregá-la enquanto durar, como um aspecto ou representacão do processo total - como uma nuvem ou onda, como uma sensacão de quente ou de frio - ou de qualque coisa que aconteca só por si.

Libertar-se do ego é o último recurso do egoismo invencível. Apenas confirma e fortalece a realidade da sensacão. Todavia, quando esta sensacão de separacão é compreendida e aceita como qualquer outra sensacão, depressa se evapora como a miragem que é.

É por isso que não me mostro muito entusiástico a respeito  dos vários  "exercícios espirituais", meditacão ou ioga, que alguns consideram essenciais para a libertacão do ego, já que, sempe que são praticados na intencão de receber alguma espécie de iluminacão ou despertar espiritual, acaban por fortalecer a falácia de que o ego pode se libertar simplesmente puxando os cordões de seus sapatos. 

Mas nada existe de errado com a meditacão só por meditar, da mesma forma que escutamos música só pela música,

[...]é preciso compreender que o ego é exatamente aquilo que finge não ser. Longe de ser o centro livre da personalidade, é na realidade, um mecanismo automático implantado desde a infäncia pela autoridade social, talvez com um toque de hereditariedade misturado.

[...] Todavia, neste momento, quando parecemos prestes a transformar-nos num fantoche completo, a coisa toda explode, já que não há destino a não ser que haja alguém ou algo a ser destinado. Não há armadilha sem alguém para cair nela. 

Não há compulsão, a não ser que haja também liberdade de escolha, pois a sensacão de se comportar involuntariamente só é conhecida por contraste com a de se comportar voluntariamente. 

Deste modo, quando a linha entre mim e aquilo que me acontece se dissolve e já não há protecão para um ego, mesmo como uma testemunha passiva, encontro-me não num mundo mas como um mundo que não é nem compulsivo nem caprichoso. 

Aquilo que acontece nem é automático nem arbitrário: acontece, simplesmente, e os acontecimentos são todos interdependentes de um modo que parece incrivelmente harmonioso.  

 Tudo isso acompanha tudo aquilo. Sem os outros não há eu, sem outro lugar não há aqui - de maneira que , nesse sentido, ser é outro e aqui é outro lugar.

[...] Sentimos na verdade como se fôssemos uma folha soprada pelo vento, até compreendermos que somos ao mesmo tempo o vento e a folha. O mundo fora de nós é tanto nós quanto o mundo dentro de nós. Toodavia logo descobrimos que podemos continuar com nossas atividades comuns - trabalhar e tomar decisões como antes, embora, de certo modo, isto tenha  passado a ser um fardo menor.

[...]Os olhos veem e os ouvidos escutam tal como o vento sopra e a água corre.

[...]Não deveríamos perguntar qual é o valor e para que serve essa sensacão? Para que serve o Universo? Qual é a aplicacão prática de um milhão de galáxias ? Todavia, justamente por não servir para nada, serve para alguma coisa - o que pode parecer um paradoxo, mas não é. Para que serve por exemplo tocar música? Se o fazemos apenas para ganhar dinheiro, para sermos melhores do que os outros artistas.... {..] não teremos inspiracão.

[...]Contudo, que pensaríamos nós de uma sociedade que não tivesse lugar para a música,...[...] a dançaa ou  qualquer atividade que não estivesse ligada a quaisquer problemas práticos de sobrevivëncia? 

É óbvio que tal sociedade estaria sobrevivendo para nada, para nenhum propósito, a não ser que, de qualquer modo conseguisse transformar em delícias as tarefas essenciais de agricultura, construção, serviço militar, produção industrial ou cosinha. Mas nesse momento o objetivo sobrevivência seria esquecido.

Essas tarefas seriam realizadas por seu próprio valor e, então, as fazendas começariam a parecer-se com jardins, as casas começariam a contar com interessantes telhados e misteriosos ornamentos, as armas teriam curiosos elementos gravados, os carpinteiros levariam maior tempo com o acabamento de seu trabalho e os cosinheiros passariam a ser gourmets.

 
PS. Vou ficando por aqui, A. Watts é tão complexo para mim como talvez tenha sido  para os leitores. Mas, quando comecei a ler o livro Tabu, de Alan Watts, muitas coisas pareceram ficar mais claras para mim. Se gostaram poderão aprofundar mais  este tema no livro: Tabu (O que o impede de saber quem vocë é?) - Alan Watts - tradução de Fernando de Castro Ferreira e Olavo de Carvalho, Ed. Três, s/data.